segunda-feira, 23 de março de 2009

Versos da bela adormecida


Lá longe, muito longe, ai muito longe!, ao fundo
De areias e gelos do cabo do mundo,
Depois de ralos, aflições, suores, dragões, ciladas, perigos,
E bosques tenebrosos, antigos, antigos,


Sonhei que ela me espera, adormecida
Desde o começo da vida,
Nua, deitada sobre as tranças de oiro,
Guardada para mim como um tesoiro.


Sonhei que um nimbo argênteo a veste,
Raiando o céu de norte a sul, de leste a oeste,
E que sobre ela paira o silencio profundo
Dos gelos e areias do cabo do mundo…


No seu lábio, um sorriso ainda transido
Ficou, como na boca das estátuas, esculpido,
Esperando, talvez, para raiar,
Que ela suba as pestanas devagar…


Vi uma vez, em sonhos vi, que as pálpebras se erguiam,
Sim, devagar…, sim, devagar…, e que os seus lábios me diziam,
Estendidos para mim:
_«Chegaste?, chegaste enfim?!»


E eu soluçava: _«Sim, sou eu…!
«Mas tu…, és tu, bem tu, Porta do Céu?!
«És tu, ou não és mais que mais uma miragem
«Das tantas que encontrei pela viagem?


«Ai, que de vezes já supus que te possuía
«Em uma imagem que afinal era vazia, era vazia!
«E que longe, afinal, te não te venho encontrar,
«Que passei ermos, passei montes, passei pegos, passei mar…»


Foi isto em sonhos. Acordado, eu perguntava:_«Que farei?
«Aonde… a que longe irei,
«Para que vos atinja, ó silêncios sem fundo
«De areias e gelos do cabo do mundo?


«Anjos, demónios, serafins de asas de lanças, e cabelos
«De chamas e serpentes aos novelos,
«Génios que em sonhos guiais!:
«Já me não bastam sonhos! Quero mais.


«Quero, através seja de que desertos,
«Chegar a ver, com olhos bem despertos,
«O resplendor que sei que a veste,
«Raiando o céu de norte a sul, de leste a oeste…»


Assim falei. Ninguém, porém me mostrou ter ouvido.
Meu grito, além, extinguiu já perdido…
E eu morro deste ardor, que nada acalma,
Com que aspiro debalde à minha própria alma.

quarta-feira, 18 de março de 2009

O Mundo da Meia-Noite



Quero fugir, um dia
Para o mundo da meia-noite
Onde as trevas invadem tudo
e o ar é gelado,

Onde ninguém tem um nome,
Onde a vida não é um jogo,
Esconderei lá o meu coração partido
Que para sobreviver, morre.

Ninguém me poderá ver chorar, ali,
as lágrimas da minha solitária alma;
Encontrarei paz de espírito,
no frio e escuro mundo da meia noite.



Minako "mooki" Obata,
da banda sonora de "Black Lagoon"

Traduzido por HornedWolf


Imagem "On a midnight voyage",
Chris Berens

sexta-feira, 6 de março de 2009

Zeitgeist





Eu não tenho de vos dizer que as coisas estão más. Toda a gente sabe que as coisas estão más. O dólar compra tudo, os bancos fazem a festa. Os donos das lojas teem armas por debaixo dos balcões. Os miudos tornam-se cada vez mais selvagens. Não parece haver alguém que saiba o que fazer, e não ha como acabar isto. Sabemos que o ar está impróprio para respirar e a comida imprópria para comer. Mas sentamo-nos a ver as nossas TV's enquanto alguns jornais locais nos dizem que hoje houveram 15 homicidios e 63 crimes violentos como se fosse assim que devia ser! Nós sabemos que as coisas estão más, piores que más. Estão doidos. É como se tudo em todo o lado estivesse a endoidecer, e não saimos mais à rua. Sentamo-nos em casa e lentamente o mundo em que vivemos vai ficando mais pequeno. E tudo o que dizemos é «por favor, ao menos deixem-nos sozinhos nas nossas salas de estar. Deixem-me ficar com a minha tostadeira e a minha TV e eu não digo nada. Deixem-nos em paz!» Mas eu não vos vou deixar em paz. Eu quero que enlouqueçam! Não quero que protestem, nem que se revoltem. Não quero que escrevam ao vosso congressista porque não saberia dizer-vos o que escrever. Eu não sei o que fazer sobre a depressão, a inflação, os russos e o crime nas ruas. Tudo o que sei é que primeiro tens que enlouquecer! Tens que dizer «Sou um ser humano, raios partam! A minha vida tem valor!»



Zeitgeist