quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A Poesia






"Até aos nossos dias, a poesia seguiu um caminho errado: elevando-se até ao céu ou rojando-se até à terra, menosprezou os princípios da sua essência e foi, não sem razão, constantemente ridicularizada pelas pessoas honestas. Não foi modesta, que é a qualidade mais bela que deve existir num ser imperfeito. Eu quero mostrar as minhas qualidades, mas não sou tão hipócrita que esconda os meus vícios. O riso, o mal, o orgulho, a loucura, hão de surgir, alternadamente, entre a sensibilidade e o amor pela justiça e servirão de exemplo à estupefacção humana: cada um se reconhecerá aí, não tal como deveria ser, mas tal como é. E talvez este simples ideal, concebido pela minha imaginação, venha a ultrapassar, no entanto, tudo o que a poesia encontrou até aqui de mais grandioso e de mais sagrado. Porque, se eu deixar transpirar os meus vícios, todos acreditarão melhor nas virtudes que faço resplandecer e cuja auréola porei tão alto que os maiores gênios do futuro hão de testemunhar, por mim, sincero reconhecimento. Assim, pois, a hipocrisia será expulsa, decididamente, da minha morada. Haverá nos meus cantos uma imponente prova de poder por desprezar assim as opiniões herdadas. Ele canta só para ele e não para os seus semelhantes. Ele não coloca a mediada da sua inspiração na balança humana. Nos seus caminhos sobrenaturais ele atacará o Homem e o Criador, com vantagem, como quando o espadarte crava a sua espada no ventre da baleia: maldito seja pelos seus filhos e pela minha mão descarnada aquele que persiste em não compreender os cangurus implacáveis do riso e os audaciosos piolhos da caricatura."

Isidore Ducasse

1 comentário:

homemdacal disse...

Muito bem escrito, esse(a) Isidore Ducasse sabe umas coisas.
Mas olha que, a poesia tem se batido contra várias convenções morais, apenas a má poesia (e os maus poetas) não o tem sabido fazer.