sábado, 19 de julho de 2008

Cemitério de Pianos


"O toque das minhas mãos não tinha peso e não tinha textura, as pessoas que falavam para mim estavam sempre muito longe, todas as cores eram pálidas aos meus olhos, os copos de vinho que eu bebia não sabiam a nada e embebedavam outra pessoa, o meu corpo a caminhar no passeio era tão leve que não me pertencia, porque eu apenas pensava nela. Eu apenas conseguia pensar os pensamentos que lhe imaginava. Eu apenas existia no fundo de mim a pensar nela. Um movimento mínimo no meu interior: acreditar durante um instante que ela podia ter-se rido da carta que lhe entreguei: qualquer movimento no meu interior era sentido com a minha vida inteira; mas o toque das minhas próprias mãos era impreciso. No mundo, eu não era eu. Era um reflexo que alguém lembrava vagamente. Eu era um reflexo que alguém sonhava sem acreditar."


José Luís Peixoto, Cemitério de Pianos, pág. 72.

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