sábado, 5 de julho de 2008


"Ele tinha até de sentir mais: a sua existência inteira, com toda a sua beleza e moderação, assentava num subsolo oculto de sofrimento e conhecimento, que por sua vez lhe foi revelado através daquele elemento dionisíaco. E vede! Apolo não podia viver sem Dioniso, aquele elemento «titânico» e o elemento «bárbaro» constituía afinal a mesma necessidade que era própria ao elemento apolineo! Pensemos então como neste mundo, construído sobre a aparência e a moderação e com represas artificiais, penetrava então o som extasico da festa dionisíaca, em melodias magicas de crescente sedução, assim como nestas suava todo o excesso da natureza em prazer, sofrimento e conhecimento, ate ao grito penetrante: pensemos o que podia significar, face a esse demoníaco canto popular, o artista de Apolo com os seus salmos, com o som fantasmagórico da harpa! As musas das artes da aparência empalideciam diante de uma arte que falava a verdade na sua embriaguez, a sabedoria de Sileno exclamava «Ó dor! Ó dor!» contra os serenos seres Olímpicos. O individuo, com todos os seus limites e medidas, ficava aqui submerso no esquecimento de si próprio, inerente aos estádios dionisíacos, e esquecia as normas apolineas. O excesso desvendava-se como sendo verdade, a contradição, o deleite nascido das dores falava de si a partir do coração da natureza.”

Friedrich Nietzsche
O Nascimento da Tragédia e Acerca da Verdade e da Mentira
Página 41

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